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16 de Abril de 2024
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    Ainda a autonomia

    A política monetária praticada pela grande maioria dos países utiliza cada vez mais o controle exercitado por um Banco Central operacionalmente autônomo. A ele cabe a produção de dois bens públicos fundamentais: 1º) a estabilidade e eficiência do sistema financeiro, que deve ser capaz de garantir a liquidez necessária para o bom funcionamento do sistema econômico; e 2º ) a relativa estabilidade do valor da moeda nacional garantida por uma "meta" de inflação tão estável quanto possível, fixada pelo poder incumbente eleito.

    Definições e objetivos tão imprecisos como esses permitem que os bancos centrais se acomodem e integrem, harmonicamente, a forma institucional, a organização e os objetivos econômicos de cada país. Não há uma "receita" pronta para produzir o banco central "ótimo". Mas então por que tanta insistência na sua autonomia operacional?

    A resposta é que quando um banco central adquire "credibilidade" ele é um poderoso instrumento para a estabilização da taxa da meta de inflação realizada. Essa estabilidade é muito importante. Além de reduzir o atrito na distribuição do "excedente" entre o trabalho e o capital, torna mais visíveis os preços relativos que permitem a todos os agentes (trabalhadores e empresários) acomodarem-se melhor à escassez dos fatores e, assim, aumentarem a sua produtividade.

    Em geral aos bancos centrais se atribui explicitamente apenas um objetivo: a estabilidade do valor da moeda. A exceção mais notável é a do Federal Reserve, ao qual o Congresso dos EUA atribuiu os objetivos de perseguir a menor taxa de inflação e compatibilizá-la com a menor taxa de desemprego. Há pelo menos um Banco Central que tem como objetivo explícito (o Danmarks National Bank), manter constante a taxa cambial (Krone/Euro). Trata-se de uma aproximação do objetivo de manter o valor da moeda, apoiada na ideia que o Banco Central Europeu manterá uma baixa taxa de inflação na Eurolândia.

    O estabelecimento de um único objetivo não é uma exigência econômica, mas lógica. Sob certas condições, no sistema econômico, para atingir dois objetivos independentes são necessários dois instrumentos independentes. Como o Banco Central só dispõe de um instrumento, a taxa de juro real de curto prazo, seria logicamente absurdo, impor-lhe dois objetivos. Mas é ainda mais absurdo, lógica e economicamente, imaginar que a política monetária pode ignorar o ambiente onde é praticada a concentrar-se, unicamente, em atingir a meta inflacionária.

    Para dar um exemplo do necessário controle que o poder incumbente deve manter sobre a autonomia operacional, basta atentar para a organização institucional do Riksbank, o Banco Central sueco, cuja "independência" não permite dúvida. O parlamento sueco (o Riksdag) escolhe os 11 membros do Alto Conselho do Riksbank. Esse, por sua vez, escolhe os seis membros do seu Conselho Executivo que, autonomamente, pratica a política monetária considerada mais adequada. O fato interessante é que os 11 membros do Alto Conselho são membros do parlamento sueco e pertencem a diferentes partidos políticos! Os seis membros do conselho executivo têm mandato de seis anos (renovações intermediárias). Hoje todos são economistas altamente treinados em instituições acadêmicas e organismos internacionais.

    Nunca é demais insistir que não importa a natureza de organização do Banco Central e a natureza da sua supervisão pelo poder incumbente eleito, o fato é sempre o mesmo: a política monetária - mesmo quando bem sucedida - não pode dar conta do crescimento econômico. Ela, na melhor das hipóteses, pode não atrapalhá-lo. O crescimento é um problema de oferta de longo prazo e depende, pelo menos: 1º ) da quantidade e qualidade do capital humano; 2º ) da quantidade e qualidade do capital privado; 3º ) dos investimentos públicos em infraestrutura; 4º ) da produtividade total dos fatores da economia; 5º ) da capacidade de absorver novas tecnologias; e 6º ) da ação inteligente de um Estado indutor constitucionalmente controlado e capaz de manter vivo o "espírito animal" dos empresários.

    Por que a política monetária pode atrapalhar o crescimento? Porque crescimento econômico é pouco mais do que a combinação de inovação com crédito e esse, no fundo, depende da política. Há sérias e justificadas dúvidas sobre a forma pela qual os bancos centrais procuram sua credibilidade. A primeira é que, com toda a evidência, não existe uma "ciência" que sugira "receita única" para a política monetária. A segunda é que sua prática exige a estimação de parâmetros fugidios e não constantes. Como consequência, ela consiste em 10% de "ciência" e 90% de arte e intuição. A terceira é que na dúvida (que é o estado permanente), a melhor política para os bancos centrais adquirirem "credibilidade" é o conservadorismo: subestimar o PIB potencial e superestimar a taxa de desemprego e de juros reais que supostamente conduzem a inflação à meta desejada. No prazo longo, pode resultar num alto preço em termos de desenvolvimento econômico. É isso que impõe uma adequada avaliação social da sua atividade.

    Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.

    Fonte: Valor Econômico

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/ainda-a-autonomia/2247546

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