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25 de Abril de 2024
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    Artigo: Inversão do ônus da prova no processo fiscal

    Autora: Andréa Medrado Darzé

    No ano passado, valendo-se da sistemática dos recursos repetitivos, foi julgado o Resp 1.104.900 , reconhecendo a inversão do ônus da prova da responsabilidade tributária nas hipóteses em que o nome do responsável já consta, desde o início, no título executivo. A decisão fundamentou-se no artigo 204 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual a Certidão de Dívida Ativa (CDA) goza de presunção de liquidez e certeza.

    Esse posicionamento nos causou certa inquietação na medida em que dá margem para que a Procuradoria da Fazenda, mesmo sem lastro em provas, faça incluir o nome do sócio no título executivo, o que somente poderá ser obstado por meio de prova negativa do particular. E essa inquietação se acentuou diante da ausência de previsão legal e de uma posição firme da jurisprudência sobre o procedimento para a constituição de crédito tributário em face de responsáveis.

    Neste contexto, foi editada a Portaria PGFN nº 180, de 2010, que trouxe alguma esperança aos administrados, vez que se propôs a regular o procedimento para a inserção dos responsáveis na CDA. Estabeleceu que a inclusão dessas pessoas no título requer declaração fundamentada da autoridade competente acerca da realização de uma das infração que enumera.

    A despeito de plausível a presente tentativa, o que se vê é que esta portaria, além de ser demasiadamente vaga - não explica o que é declaração fundamentada: se trata de mera descrição da infração, deve estar acompanhada de provas; e quais provas - subverte o regime jurídico para a constituição e exigência do crédito tributário, já que:

    i. autoriza a inclusão de sujeito passivo na CDA sem a prévia expedição de lançamento contra sua pessoa;
    ii. outorga competência para a procuradoria constituir crédito tributário. Afinal, é ela quem decidirá sobre a inclusão do responsável na obrigação;
    iii. deixa a mercê da procuradoria definir quais são as provas suficientes para comprovar a responsabilidade.

    Com efeito, responsável não se confunde com o mero garantidor da dívida. Ele é, nos termos do artigo 121, do CTN, sujeito passivo tributário e, como tal, tem direito a todas as garantidas outorgadas aos contribuintes, tais como um procedimento rígido para a constituição de crédito, ao contraditório e à ampla defesa em âmbito administrativo.

    É muito distinta a legitimidade da execução de um título confeccionado pela manifestação de vontade de todas as partes envolvidas, daquela decorrente de título constituído apenas pelo credor. Uma coisa é redirecionar os atos coativos para um fiador, que voluntariamente se declara garante, outra é direcioná-la para um sócio que não reconheceu a dívida, tampouco pôde se defender.

    É justamente por conta dessa peculiaridade que o processo administrativo foi elevado à categoria de requisito de validade da CDA, quando relativo a tributo constituído pela administração. Sem que seja conferido ao sujeito passivo o direito se defender da exigência antes da execução, ter-se-á comprometida a certeza e a liquidez do título que a fundamenta.

    Ademais, a presunção de liquidez e certeza da CDA não possui o alcance que se lhe pretende atribuir o STJ. Mesmo nos casos em que a lei estabelece presunções, é necessária a prova do fato que desencadeia a operação presuntiva. A presunção não dispensa o Fisco de apresentar provas, apenas permite seja demonstrada a ocorrência de um fato por conta da prova de outro. Nota-se, pois, que a presunção relativa à CDA decorre unicamente do fato de ela refletir o ato de constituição do crédito. Inexistente este, insustentável aquela.


    Qualquer divergência entre a CDA e o lançamento torna-a inapta para fundamentar a execução, por distanciamento de seu pressuposto jurídico.

    Assim, resta evidente que, caso seja instaurada execução fiscal sem o prévio acertamento, pelas provas, do fato da responsabilidade, a defesa do particular deve se restringir a este aspecto: ausência de lastro do título - o que é possível mediante a demonstração de que o lançamento foi lavrado apenas contra o contribuinte; não houve processo administrativo contra a sua pessoa; a declaração emitida pelo particular não faz referência ao responsável etc. Em nosso sentir, essa alegação é suficiente para ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, cabendo ao Fisco apresentar outras provas do seu direito.

    Por fim, deve-se ter presente que levar o raciocínio proposto pela jurisprudência do STJ às últimas consequências implica aceitar que a Procuradoria da Fazenda pode, com suposto fundamento na presunção de liquidez e certeza da CDA, emitir título sem qualquer lastro em provas, em flagrante violação de direitos e garantias constitucionais. E isso não apenas no que se refere critério subjetivo, mas em relação a qualquer elemento do fato ou da relação tributária. Basta inscrever o débito em dívida ativa, nos termos que bem entender, para que se desloque para o sujeito passivo o dever de, em sede de embargos à execução, mediante constrição de seu patrimônio, demonstrar que nada do declarado ocorreu.


    Andréa Medrado Darzé é advogada, doutoranda e mestre em direito tributário pela PUC-SP. Conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Juíza do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e autora de obra que trata do tema / artigo publicado no jornal Valor Econômico, via Contabilidade na TV

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    1 Comentário

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    Excelente, mas por que se é tão ditatorial essa execução e cerceia o direito de defesa do contribuinte e mais ainda este não tem a menor chance diante da inflexibilidade protecionista dos julgadores que sequer tomam conhecimento das argumentações do mesmo, principalmente quando lhe atribui a obrigação quase que impossível de provar que não foi citado, bastando que o exequente diga que procedeu à citação, de imediato se configura a exigência de prova negativa pelo executado, repito por que...não se propõe uma ADIN?... Salvo melhor juízo entendo ser inconstitucional exigir-se do executado o ônus de provar que não recebeu o carnê de cobrança de IPTU que é entregue pelos correios e sequer o Exequente se dá ao trabalho de apresentar AR, Certidão de OJA ou prova de publicação de Edital para o caso de o executado não ter endereço fixo, bastando afirmar que a citação foi positiva.Por outro prisma nem sempre o contribuinte tem seu domicíliono endereço do imóvel tributado o que implica até mesmo em extravio de carnê e outros sequer sabem que aquele carnê é documento de citação, contudo sem acenar sobre providências, prazos e penalidades caso não concorde com o lançamento cujo valor não lhe foi oportunizado discutir. continuar lendo